O Rebirth é a nova tentativa de ressuscitar uma DC que está morta há muito tempo nos quadrinhos


Em anúncio divulgado no mês de março, a DC Comics anunciou o próximo evento da editora, intitulado de DC: Rebirth, onde promete trazer os elementos clássicos que popularizaram os seus personagens heroicos e vilanescos para as novas encarnações da editora, idealizadas durante o processo de reboot cronológico conhecido como Os Novos 52. E em meio a tantas promessas de reformulação de conceitos e equipes criativas, pego aqui um questionamento feito pelo blog “The Mission”, do Comic Book Resources e trago para uma discussão pertinente neste texto:  Se a DC admite que é preciso um “Renascimento”em sua linha editorial de super-heróis, quando foi realmente que o seu universo de heróis morreu?

Em primeiro lugar, deixo aqui minha opinião e acredito: a DC está realmente morta. Mas, diferente do texto que considera a publicação de Crise de Identidade como o fato marcante para o fim de todo o lirismo dos super-heróis da editora, não acredito que essa obra tenha criado uma celeuma tão grande para destruir toda uma mitologia de personagens marcantes no imaginário coletivo do mundo pop. Na verdade, creio que o grande problema que afeta a editora, e consegue ter ramificações em suas mídias adjacentes como cinema, animações e séries, vem de equivocadas decisões editoriais dos últimos 10 anos que minaram todo o poder dessas poderosas marcas infanto-juvenis e a tornaram irrelevantes para muitos segmentos dos fãs nerds.


Em 2004, quando Crise de Identidade foi concebida, a DC vivia um dos seus momentos mais promissores no século XXI. Em um momento com retcons não tão criativos, mas com peso suficiente para sepultar a má fase dos anos 90, a série veio para redimensionar padrões e dar um peso às histórias vividas pelos super-heróis daquele período. Mesmo bebendo de influências como Authority e Watchmen, a história criada por Brad Meltzer e Rags Morales pode retirar um pouco da ingenuidade que muitos carregam dos super-heróis convencionais, mas não fere o conceito básico que muitos desses ícones levam em sua concepção. Temos ali um Arqueiro Verde sendo o Arqueiro Verde, o Batman indo aonde sabemos que o Batman poderia e até o Superman carregando o bom mocismo que lhe é convencional, mesmo que nessa ocasião soe de uma forma não tão boa para os leitores.

Não com o mesmo peso, mas com a mesma relevância editorial, séries como Contagem Regressiva a Crise Infinita e suas subsequentes (Guerra Rann-Thanagar, Dia de Vingança, Projeto Omac e Vilões Unidos) vem na sequência conservando o teor de coragem para chacoalhar o status quo vigente e dar um novo gás a cronologia da Detective Comics até a chegada de Crise Infinita, que funciona muito bem como uma continuação direta da clássica Crise Nas Infinitas Terras.


É na minissérie “52” que acredito estar o início do fim para a DC. Em meio a seu processo, que reunia bons roteiristas e parecia nos dar uma boa linha editorial, somos surpreendidos com uma mudança de equipe e um final totalmente duvidoso em sua concepção. Mesmo que o advento das 52 terras seja interessante, ele nunca foi utilizado com a verdadeira coragem ao qual deveria ser e se torna um terrível calcanhar de aquiles para o momento da editora, que começa a se dispersar em ideias e trazer obras altamente duvidosas em quase todas os seus títulos. O anúncio de uma Crise Final parecia ser um canto dos cisnes que entrega a fase de desencontros de ideias vividos pela empresa e se tornou um verdadeiro furacão de problemas em sua realização, onde se tornou uma mega saga onde metade dos títulos não é influenciado por ela e a outra pouco se importa com os atos acontecidos ali.

Coincidentemente, temos em Geoff Johns um dos principais nomes que parecem estar envolvidos nesse processo de degradação. O autor passa por quase todos os títulos de seus principais heróis e vai desconstruindo de forma rasa a maioria deles. Mesmo que isso tenha ocorrido já em 2003 (ou antes) com Flash e Lanterna Verde, onde utiliza de artifícios duvidosos para desconsiderar tudo que foi publicado destes personagens nos últimos 20 anos, chegando a rebotar a vida de Wally West e trazer de volta um “imaculado” Hal Jordan, as coisas realmente tomam um problema maior quando o escritor assume o título de Superman e cria uma grande confusão entre as origens do azulão. Não que a fase seja ruim, mas ela é muito mais relevante em unificar o conceito de Brainiac e na Nova Krypton, que acontece no presente, do que em seu insistente retcon homenageando a Era de Prata.


Agonizando neste processo de confusão de origens e ideias não muito criativas, como Flash - Renascimento e a Guerra dos Anéis/Noite Mais Densa/Dia Mais Claro, não existia mais nada de relevante na editora além de poucos títulos como Corporação Batman e SJA (que faz um ótimo paralelo com o Reino do Amanhã e mostra como Johns é bom em escrever o presente). A cereja do bolo acaba sendo Ponto de Ignição, que sai de um arco do recém-ressuscitado Barry Allen para uma saga que se torna pilar para o malfadado reboot.

A promessa de ser um sangue novo e trazer um universo mais coeso e fácil para acompanhamento de novos leitores não consegue nem completar o seu primeiro ano. Os Novos 52 acabam caindo em desgraça por culpa de seus próprios criadores, que enfatizam ser um recomeço e ao mesmo tempo não tem coragem de desconsiderar fases clássicas dos personagens DC. Além disso, com exceção de títulos realmente relevantes como Batman, Mulher-Maravilha, Flash e Aquaman, temos um processo de revitalização com pouca criatividade narrativa, lembrando muito mais os equívocos ocorridos nos anos 90 do que se tornando uma referência para uma nova forma de fazer quadrinhos.

Um dos fatos que mais incomoda em sua nova encarnação é justamente o contrário do que existia em 2005: falta relevância aos arcos e ideias construídas pelos criadores da DC. As histórias quase não levam a uma mudança interessante e quando a fazem são mal formuladas ou apresentam poucas repercussões. A exceção fica justamente  por conta de títulos “fora da cronologia” como Terra-2 e Injustice, que parecem ter decisões mais “corajosas” justamente por não estarem nos planos principais dos chefões da editora. Em Convergência temos uma clara demonstração disso, já que todo o universo criado pela editora nos últimos 80 anos participa da saga, com exceção de um: justamente Os Novos 52.

Prometendo quebrar esse parâmetro insosso, o movimento DC You chega em 2015 com a promessa de reintegrar autores relevantes em histórias que se libertam da cronologia e prezar muito mais pela liberdade criativa do que por “obrigações cronológicas”. O que parecia ser um alívio e uma nova alternativa de mercado acabou não se sustentando por ser mais confuso do que realmente útil. Com metade dos títulos ainda na cronologia vigente, vários contam histórias em pontos distintos e causaram confusão nos leitores, que SIM, realmente se preocupam em saber onde se passa cada história e o que isso traz para o universo que acompanham. Outros, mesmo com roteiros relevantes, ficam perdidos em falta de divulgação e são levados por um turbilhão que envolve ter mais de quarenta publicações concorrentes em um mesmo mês e nenhum tipo de preocupação em serem elevados a título de importância para novos e velhos admiradores do universo.


Com o Rebirth, a DC equaciona novas fórmulas de publicação, promete baixar o custo da editora e afirma se preocupar em valorizar o seu passado para os novos leitores. Entretanto, está mais do que claro que para existir um verdadeiro Renascimento é preciso estar apto a mudanças de pensamento, o que é difícil de acreditar depois de tantos anos de reviravoltas que sempre retornam ao ponto de origem. Cronologias podem ser problemas a longo prazo, mas vem sendo demonizadas como o grande mal dos quadrinhos norte-americanos, quando na verdade o que realmente empobrece esse produto cultural é o fraco envolvimento editorial e a falta de visão em atualizar conceitos e dinamizar as histórias. Os seus personagens são fortes e ainda sobrevivem graças a obras coesas que valorizam sua imagem em diversas mídias, além de obras passadas que são eternas por conta de sua importância e relevância. Mas, sem mudar a forma de se pensar para os novos tempos, e nesse caso não acredito que seja algo relacionado ao conceito dos personagens e sim a uma questão de visão de mercado, nada renasce ou se renova de verdade. Apenas troca de uniforme.

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